domingo, 15 de dezembro de 2013

Paulo Constantino

Gestão de Riscos na Investigação Empresarial
Investigação privada: um risco legal ou ilegal?

Esta semana questionei um colega de trabalho sobre o que ele entendia por Gestão de Riscos na Investigação Empresarial. Sem pensar muito sobre o assunto ele respondeu quase que imediatamente: “– É só risco; investigação privada é praticamente ilegal”.

Trata-se de um posicionamento corriqueiro e até compreensível. Quando se fala em investigação privada o que vem à mente das pessoas são quebra de sigilo telefônico e invasão de privacidade através de gravações clandestinas; entre outras ilegalidades.

Riscos legais a serem observados

Contribuindo com esse tipo de pensamento sobre a investigação privada, dois dispositivos legais são constantemente citados, para alertar sobre os riscos desse tipo de atividade, demonstrando a fragilidade e a tênue linha entre o lícito e o ilícito dos atos praticados pelos particulares: o primeiro é o artigo 144 da Constituição Federal de 1988, que trata da Segurança Pública e das atribuições dos Órgãos Policiais, especialmente em seu parágrafo 4º, que confere às polícias civis as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais (exceto as militares); o segundo é a Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que define os crimes de tortura (o inciso III do artigo 5º da Constituição também se refere ao assunto), situação em que o responsável por uma investigação privada pode incorrer, constrangendo alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando sofrimento físico ou mental, com a finalidade de conseguir uma informação, declaração ou confissão; entre outros aspectos.

Nessa esteira, ainda podemos mencionar o artigo 10 da Lei nº 9.296, de 24/07/1996, que estabelece: “Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”.

Vislumbre de regularidade

Diante dessas condições e riscos não é difícil imaginar que, de maneira geral, a crença é que a atividade seja ilícita ou, no mínimo, irregular. Mas não é bem assim. E, embora não haja reconhecimento explícito, muitos são os dispositivos legais que nos levam ao entendimento pela sua regularidade; entre eles, incisos do artigo 5º da Constituição Federal de 1988; a CBO - Classificação Brasileira de Ocupações (Ministério do Trabalho e Emprego), número 3518-05; a CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), Seção N, Divisão 80, Grupo 803, Classe 8030-7, Subclasse 8030-7/00; e muitos outros dispositivos como portarias de órgãos diversos, julgados de tribunais e interpretações de legislação diversa, especialmente sobre o funcionamento de empresas de informações reservadas.

Legalidade nas ações

A pretensão, neste momento, não é discutir essa questão da legalidade ou de como se deve encará-la; e, igualmente, não vamos nos ater aos tipos de conceitos fundamentais de investigação, aos métodos, ou às técnicas; ou mesmo ao projeto de investigação em si e suas respectivas fases de desenvolvimento. Entendemos sim, que um bom planejamento vai mitigar os riscos da investigação, afastar o improviso e preparar o agente para eventuais contingências. Mas, a mensagem que buscamos, é sobre o que deve estar compreendido quando se fala em investigação privada (ou inteligência, como muitos preferem, talvez para mascarar a conotação ilegal ou pejorativa), é que, aquele que envereda pela investigação privada – qualquer que seja a finalidade ou o objeto dela (empresarial ou pessoal) –, deve ter em mente que ele não detém qualquer poder de polícia e que deve pautar sempre dentro da legalidade na coleta de informações, indícios ou provas; para que sejam utilizadas conforme a conveniência e necessidade do contratante do serviço ou das autoridades constituídas. E não devemos esquecer que as responsabilidades dos atos praticados pelo investigador recaem (além dele próprio) subsidiariamente sobre o seu empregador ou cliente.

Assim, cabe tecer alguns comentários sobre a segurança do agente investigador e desmistificar um pouco a questão da responsabilidade em relação à privacidade e intimidade alheias; ou seja, cuidados com os riscos legais. Assim, destacamos a gravação de som ambiente entre interlocutores (entrevistador e entrevistado), mesmo sem consentimento ou conhecimento de uma das partes, baseados em uma experiência própria.

O risco na prevenção

Durante anos atuando na sindicância e regulação de sinistros para empresas que prestam serviços ao mercado de seguros, os agentes sempre questionam, em primeiro lugar, a necessidade e a finalidade de se gravar as entrevistas com as pessoas envolvidas nos sinistros, especialmente segurados e terceiros; em segundo, a legalidade e a possibilidade de uso desse tipo de gravação.

Embora o planejamento das ações tenha sempre buscado cuidados extras ao se estabelecer o contato com os entrevistados, o risco sempre existiu com a possibilidade de uma palavra mal colocada ou um comentário desnecessário e infeliz, podendo provocar constrangimento à outra pessoa, colocando-a em uma situação incômoda.

Esse fato pode garantir à mesma, dependendo das circunstâncias, o direito de impetrar com uma ação judicial contra o interlocutor, ou contra a empresa que ele representa, requerendo indenização cível por danos morais ou a efetivação de uma queixa criminal.

Assim, a resposta sobre a gravação sempre recai no argumento de que serviria para auxiliar na confecção de relatórios mais confiáveis e, caso fosse necessário, como prova do teor da própria entrevista, possibilitando o esclarecimento de uma interpretação duvidosa, de um mal entendido ou até mesmo de uma acusação infundada da outra parte, em relação à condução da entrevista ou sobre um comportamento inadequado durante a conversa.

Quanto à legalidade, sempre ficou evidenciado que se tratava de uma questão relacionada à doutrina e à jurisprudência (a legislação fala em interceptação telefônica).

A gravação da conversa, mesmo sem o conhecimento ou autorização de uma das partes, é uma condição lícita e aceita como prova; mas não prova de ato ilícito eventualmente confessado ou informado durante a entrevista (quando clandestina, gerando discussão); contudo é válida como defesa do entrevistador no caso da outra parte alegar que tenha sido ofendida durante a conversa, ou outra situação que venha a ser inventada. Nesses casos, a jurisprudência entende que o Direito Constitucional à Privacidade de uma das partes envolvidas, não se sobrepõe ao também constitucional Direito de Ampla Defesa da outra.

O risco judicial

Não tardou para que nos encontrássemos em uma situação semelhante, em razão de uma ação judicial de indenização por danos morais, proposta com uma Companhia Seguradora e com a empresa prestadora do serviço de regulação do sinistro (averiguação das condições que os fatos ocorreram). O segurado, autor da ação, pleiteava ser indenizado por alegados danos morais sofridos por ele, em virtude de suposta conduta ofensiva praticada pelo agente que realizou a regulação do sinistro, dando ensejo a constrangimento ilegal perpetrado diante de colegas de trabalho. Efetivamente era uma mentira, mas já estávamos diante da justiça. Não bastasse essa situação – em que visualizávamos um rol de testemunhas mentirosas a ratificar as bravatas – o autor ainda pleiteava pelo reconhecimento da violação do direito à privacidade, em decorrência de gravação clandestina realizada durante a entrevista de avaliação das circunstâncias do evento.

A nossa questão passou a ser a seguinte: apresentar ou não a gravação, correndo o risco do autor não apresentar testemunhas, e estarmos fazendo prova contra nós mesmos, admitindo uma possível invasão de privacidade com a gravação (caso o juiz assim entendesse); ou, então, fornecer a prova e acreditar na jurisprudência (embora relativamente controversa) e em outros aspectos relacionados à atividade. Resolvemos apostar no planejamento e nos cuidados que sempre mantivemos nas ações de regulação e sindicância, sendo que aquela era a contingência para a qual havíamos nos preparado. Anexamos na contestação (defesa) o CD com a gravação e preparamos o agente para uma eventual acareação com testemunhas e com o próprio autor.

Antes, convém observar que esta atividade de regulação é reconhecidamente lícita e também foi objeto de questionamento em outra ação sofrida pela mesma empresa prestadora e uma Seguradora. Na sentença, datada de 27/12/2007 (São Paulo, SP), o MM. Juiz de Direito Guilherme Santini Teodoro declarou: “Como é inerente à atividade profissional da ré (prestadora do serviço), é de prudência iniciar um procedimento investigatório, tendo em vista a reiterada ocorrência de fraudes contra seguradoras. Desta forma, agiu dentro de seus direitos a co-ré (Seguradora)”.

Aspectos legais da gravação de som

Mesmo que a gravação fosse clandestina, e conforme o ensinamento do doutrinador Vicente Greco Filho, o sigilo existe em face de terceiros e não dos interlocutores, que podem divulgar a conversa desde que haja justa causa, podendo, nesse caso, tal gravação servir como prova, em processo. Discorrendo sobre a Lei 9.296/96 (mencionada anteriormente), afirma:

“A gravação unilateral feita por um dos interlocutores com o desconhecimento do outro, chamada por alguns de gravação clandestina ou ambiental (...) não é interceptação nem está disciplinada pela lei comentada e, também, inexiste tipo penal que a incrimine. Isso porque, do mesmo modo que no sigilo de correspondência, os titulares - o remetente e o destinatário - são ambos, o sigilo existe em face dos terceiros e não entre eles, os quais estão liberados se houver justa causa para a divulgação. O seu aproveitamento como prova, porém, dependerá da verificação, em cada caso, se foi obtida, ou não, com violação da intimidade do outro interlocutor e se há justa causa para a divulgação.”

No mais, e conforme já comentado anteriormente, o entendimento jurisprudencial brasileiro baseia-se no fato de que o Direito à Privacidade que uma pessoa detém não se sobrepõe ao Direito de Ampla Defesa de outra, sendo ambos previstos na Constituição Brasileira. Apenas para ilustrar, um dos julgados utilizados na contestação foi o adiante transcrito, oriundo do Supremo Tribunal Federal:

Ementa: “Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais.”

“Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu.” Precedentes do Supremo Tribunal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma. Votação unânime. Veja HC-74678, HC-75261. Origem RO: RECURSO EXTRAORDINARIO CRIMINAL. Relator: Ministro

OCTAVIO GALLOTTI. Publicação DJ DATA27-03-98 PP-00023. EMENT VOL-0190408 PP-01695. Julgamento 05/12/1997 - Primeira Turma STF-RECR212081.

A compensação de assumir o risco

Acolhendo os argumentos da defesa, e não havendo testemunhas, o magistrado proferiu sentença julgando improcedente o pedido do autor. Adiante destacamos alguns trechos que entendemos relevantes:

“(...) Nos autos apenas consta um CD anexado pela empresa reguladora, com a gravação mencionada. (...) Assim, a gravação ambiental é de fato o único meio possível na elucidação do caso. Outrossim, para o caso sub judice, entendo, ser inconsistente, além de ferir o senso comum, falar-se em violação do direito à privacidade, preconizado no art. 5º, X, da Constituição Federal, quando o interlocutor (regulador) grava entrevista com o segurado visando aferir as circunstâncias do sinistro. Evidente que o direito à indenização nos contratos de seguro representam reembolso, por assim dizer, do prêmio pago, contudo, condicionado a verificação do evento danoso. Assim, conclui-se que a regulação do sinistro é procedimento administrativo imprescindível à concessão do direito à indenização, sendo incompatível o sigilo na sua execução, questão que por si só afasta a incidência do artigo supra citado. Prosseguindo, ressalto que pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema cuja harmonia impõe que, em certa medida, tolera-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, ponderando-se em cada caso qual o direito mais valioso – in casu, a proteção da privacidade e da própria honra em favor da ampla defesa. Por estas razões e por entender que o autor ao consentir, após a identificação do regulador, que a entrevista fosse realizada em seu local de trabalho, em espaço aberto, tanto que durante todo o procedimento, os interlocutores foram interrompidos, reconheço a licitude da gravação ambiental. Nesse sentido: “A gravação feita através de fita magnética da própria conversação com terceiro e mediante o emprego de meios comuns (vale dizer, não interceptação) deve ser admitida, como prova, uma vez que não há quebra de privacidade de quem quer que seja, pois se trata da própria conversação, pouco ou nada importando que a pessoa com quem se fala desconheça a existência do sistema eletrônico.” (AI 30814-1, Rel. Des. Jurandyr Nilson, RT 573/110). Sentença prolatada em 11 de abril de 2008 (Goiânia, GO) pelo MM. Juiz Luiz Flávio Cunha Navarro.

Paulo César Leopoldo Constantino

Consultor de Risco e Segurança e Advogado (OAB/SP 103099)

Especialista em Gestão de Riscos e Segurança Empresarial